Ao contrário da divisão que se tende a fazer entre carentes e não são carentes, a realidade é que todos nós somos carentes.
A carência afetiva e a sensação de vazio e de incompletude, fazem parte da condição humana e estão presentes desde o nascimento, momento em que se dá a transição de um estado de plenitude para um estado de desamparo e abandono, que só é atenuado com o colo da mãe.
No entanto, à medida que vamos crescendo, vamos aprendendo a gerir essa carência, através de um conhecimento progressivo das próprias capacidades e habilidades que possibilitam a retirada de satisfação das mais variadas situações tais como a profissão, uma viagem, um convívio com os amigos, uma ida ao cinema ou a leitura de um livro.
Quando a carência afetiva é excessiva, tendem a prevalecer as relações de dependência, nas quais o outro, quer seja o namorado, a melhor amiga ou o filho é tido como tendo a responsabilidade de completar o próprio. Aquele que sente esta necessidade urgente da presença do outro para existir, acaba inevitavelmente por adotar uma posição mais controladora e vigilante como também poderá ficar comprometida a sua capacidade para avaliar o equilíbrio daquelas relações.
Na realidade tomos somos carentes mas em graus diferentes. A intensidade desta carência é que varia, sendo que esta intensidade não se mede pela força do apelo ou do discurso. Se por um lado existem pessoas que fazem propaganda das suas carências, também há aquelas que fazem propaganda das carências dos outros, como se não as possuíssem. Efetivamente a sensação de incompletude é comum a todas as pessoas mas é também ela que nos motiva para irmos em busca do que nos falta. É precisamente na falta de alguma coisa que se abre o espaço para que possamos desenvolver as nossas habilidades e recursos internos a partir da vivência de determinadas atividades, experiências ou relações humanas.
O desenvolvimento destes recursos internos ao longo do crescimento vai assim promovendo a nossa autonomia e a capacidade de sermos a nossa melhor companhia, por outras palavras, de nos bastarmos a nós próprios. Paralelamente, as relações estabelecidas serão também elas mais saudáveis e equilibradas, na medida em que o outro surge como alguém que vem complementar, abrir novos horizontes e co-construir connosco.
Poder contribui para um ambiente de afetividade, onde nos permitirmos receber afecto, dar afecto e estar atento às necessidades afetivas do outro irá com certeza diminuir não só a solidão do próprio como a do outro, saindo favorecida a qualidade das relações humanas.
Autora: Joana Simão Valério, 2016 – Psicóloga clínica
Conteúdo original: http://www.psicologia.pt/artigos/ver_carreira.php?carencia-afetiva-nao-e-so-de-alguns-mas-de-todos-nos&id=309